Escrito e dirigido por Thomas
Vinterberg, A Caça (Jagten) usa como
estopim moral o abuso sexual que explode numa trama intricada e revestida de
hipocrisia e valores conservadores. As discrepâncias sociais e comportamentais
com base nos juízos de valor definidos pela cultura milenar dinamarquesa são o
mote da história. Vinterberg ganhou notoriedade após o longa Festa de Família (1998) que também
aborda abuso sexual, desta vez o patriarca é o alvo do drama que desce mais
amargo que A Caça. Mads Mikkelsen
interpreta Lucas e não lembra nem de longe o cínico Hannibal Lecter do seriado
Hannibal, ao contrário, sua atuação brilhante é digna de pena e reflete as
injustiças cometidas contra seu personagem. Mikkelsen ganhou o prêmio de melhor
ator por seu papel no Festival de Cannes em 2012. É o indicado da Dinamarca
para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2014. O filme conta
ainda com a atriz mirim Annika Wedderkopp e com o veterano Thomas Bo Larsen.
O método de condução da trama que não
esconde os fatos reais do público é proposital para que o foco principal se
vire para o comportamento daqueles que foram afetados pelo abuso, se fosse de
outra forma agiríamos de modo a culpar o agressor e o foco recairia em como ele
deveria ser punido, sendo ou não culpado. Fatores psicológicos interferem de
forma decisiva para a formação do caráter e atitude da pequena Klara (Annika
Wedderkopp), os constantes desentendimentos familiares criaram a fobia de
rejeição e abandono, ela então enxerga em seu professor um porto seguro. O
contraste emocional destacado por Vinterberg chama atenção, Klara é uma criança
sem muitas referências emocionais, quando seu irmão a mostra pornografia isso a
deixa irritada, motivo pelo qual ela decide usar esse argumento para se
“vingar” de Lucas por sua rejeição. Características psicológicas abordadas de
forma genial por Vinterberg.
Produzido e rodado na Dinamarca, A Caça possui nuances culturais que se
aproximam e diferem das nossas. A cerveja é mais forte que a nossa e consumida
em toda e qualquer ocasião principalmente em encontros familiares. Os amigos
representam a família em uma sociedade unida em todas as circunstâncias, eis o
ponto de apoio da história. Vinterberg constrói uma relação de amor e carinho e
de repente rompe essa realidade mudando a direção da trama. As caçadas seguem a
tradição cultural e são herdadas de pai para filho. São vistas como um ritual
para a idade adulta e é possível notarmos uma mensagem oculta por Vinterberg a
relação do sexo com o término da puberdade. A perda da inocência aqui vai além
da castidade e adentra questões que abordam o bem e o mal, o certo e o errado.
Confira o trailer:
A pedofilia hoje é um dois motivos de
maior asco na sociedade mundial, fato que é o ponto de partida para o
comportamento conhecido como “manada” adotado pelos personagens. A hipocrisia
presente nas relações sociais dinamiza não uma sociedade às avessas com o
próximo, mas sim um grande esforço em condenar alguém, para aliviar o peso da
culpa que cada um carrega pela negligência de diversas formas e fatores, como
educação, segurança e ambiente sócio familiar, que contribuem diretamente para
a formação de caráter e pela ausência dele.
A Dinamarca é um dos países com maior índice de estupros do mundo e o
primeiro em distribuição de renda, dado que aproxima muito as pessoas e
comprova que crimes desse aspecto não são exclusividade dos países pobres. A
maldade está presente em todas as culturas e classes sociais assim como a chuva
que molha tudo que estiver desprotegido.
E que o cinema esteja com vocês!
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