4 de novembro de 2013

Senna (2010)

Quando era criança meu maior herói não tinha superpoderes, não caçava homens maus e não estava em revistas de quadrinhos. Mas ele tinha algo especial, enquanto nosso país sofria pela má administração, pela pífia distribuição de renda, existia um brasileiro que nos dizia ser possível sonhar, bastava acreditar e ser perseverante que o mundo estava logo ali. Em um país que não desiste nunca Ayrton Senna tornou-se um dos maiores desportistas e quiçá o maior brasileiro de todos os tempos, pois carregava nossa bandeira a mais de 200 Km/h pelos mais diversos países e enfrentava adversidades maiores que as dimensões de sua terra natal. O documentário Senna de Asif Kapadia conta a breve história de Ayrton Senna no período de 1978 a 1994 e no limiar da segunda década sem nosso maior guerreiro é impossível não se emocionar com seus feitos e conquistas.

“Vocês nunca saberão o que se passa na cabeça de um piloto quando vence uma corrida, o capacete oculta pensamentos incompreensíveis.”

A vitória é algo subjetivo e para nós brasileiros as conquistas de Senna ficaram imortalizadas pelo Tema da Vitória que bradava retumbante nas manhãs ensolaradas ou chuvosas de domingo. Mesmo que esse fato não interfira diretamente na política ou em nossos problemas pessoais, o que ele fazia mantinha acessos nossos sonhos, de certo modo aquela canção representava um pouquinho de cada um de nossos sonhos subindo ao pódio da realização.

O documentário segue um tom intimista e se foca na carreira de Senna como piloto, dando abertura para momentos íntimos cedidos pela família de Senna e indo além das vitórias nas pistas, mostrando o lado questionador, humano e de fé do maior piloto de Fórmula 1 de todos os tempos. A maior revelação vem de sua irmã Viviane Senna que relembra a última manhã de Ayrton, ao acordar ele pediu para Deus falar com ele, abriu a Bíblia e leu um texto que dizia: Eu vou te dar o maior presente de todos os presentes. Que seria Ele mesmo. A tensão naquele domingo era evidente no rosto de Senna que estava preocupado justamente com a segurança dos pilotos. Nos treinos livres de sexta-feira Rubens Barrichello bateu forte, no sábado o piloto austríaco Roland Ratzenberger faleceu após perder a asa dianteira do Simtek e chocou-se violentamente contra o muro. O ar abatido e introspectivo notado no brasileiro durante a preparação para o GP de San Marino no circuito de Ímola, era raro ao piloto que possuía determinação e alegria no olhar. As imagens editadas para o documentário, principalmente do último GP disputado por ele, dão um andamento dramático para a obra, ainda que o gênero seja informativo Asif conseguiu como ninguém manter um padrão no andamento que lhe rendeu inúmeros prêmios, inclusive o Globo de Ouro.

As rixas com Jean Marie Balestre, presidente da FIA de 1986 a 1993, e o piloto Alain Prost possuem destaque no documentário, principalmente o episódio do GP do Japão de 1989, no qual os dois pilotos se chocaram e saíram da pista, Senna persistente foi ajudado por fiscais e retornou à corrida, foi aos boxes e ainda conseguiu vencer a corrida, o que lhe daria o título de campeão daquele ano, mas a cúpula da FIA liderada pelo francês Balestre desclassificou o brasileiro alegando vantagem ao cruzar a chicane.  Em 1992 no circuito da Austrália, último da temporada, Senna ultrapassaria Prost nas últimas voltas e deixando o francês em segundo. Dividiram o pódio de forma amistosa, seria a última vez que os dois pilotos subiriam os degraus da premiação. Prost aposentou-se em 1992. Em 1993 Senna enfrentou problemas nos dois Grandes Prêmios que antecederam a corrida de Ímola e não terminou as provas.

Um dos maiores médicos da história da Fórmula 1, professor Sid Watkins, faz a declaração mais emocionante e surpreendente do documentário. Após o acidente de Senna na curva Tamburello, Sid e sua equipe foram os primeiros a chegar ao local, o retiraram do carro, colocaram-no na maca o entubaram e Sid mediu seus sinais neurológicos, determinando que a lesão seria letal ao cérebro de Senna. Ele diz que Ayrton suspirou por um instante e seu corpo relaxou e foi naquele momento... Sid interrompe a declaração para dizer que não é religioso e completa: mas pensei que seu espírito tinha partido. A profunda trilha sonora composta por Antonio Pinto nos emerge ao amargo da perda e transformam os últimos instantes do documentário em momentos de introspecção e saudade. O que poderia ser feito diante do destino?

Assista ao documentário na íntegra:

Senna tinha 34 anos de idade e ainda é o maior vencedor do Circuito de Mônaco – seis vitórias, o mais difícil entre todos os circuitos da Fórmula 1.



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