Quando era
criança meu maior herói não tinha superpoderes, não caçava homens maus e não
estava em revistas de quadrinhos. Mas ele tinha algo especial, enquanto nosso
país sofria pela má administração, pela pífia distribuição de renda, existia um
brasileiro que nos dizia ser possível sonhar, bastava acreditar e ser
perseverante que o mundo estava logo ali. Em um país que não desiste nunca
Ayrton Senna tornou-se um dos maiores desportistas e quiçá o maior brasileiro
de todos os tempos, pois carregava nossa bandeira a mais de 200 Km/h pelos mais
diversos países e enfrentava adversidades maiores que as dimensões de sua terra
natal. O documentário Senna de
Asif Kapadia conta a
breve história de Ayrton Senna no período de 1978 a 1994 e no limiar da segunda
década sem nosso maior guerreiro é impossível não se emocionar com seus feitos
e conquistas.
“Vocês nunca saberão o que se passa na
cabeça de um piloto quando vence uma corrida, o capacete oculta pensamentos
incompreensíveis.”
A vitória é
algo subjetivo e para nós brasileiros as conquistas de Senna ficaram
imortalizadas pelo Tema da Vitória
que bradava retumbante nas manhãs
ensolaradas ou chuvosas de domingo. Mesmo que esse fato não interfira
diretamente na política ou em nossos problemas pessoais, o que ele fazia mantinha
acessos nossos sonhos, de certo modo aquela canção representava um pouquinho de
cada um de nossos sonhos subindo ao pódio da realização.
O
documentário segue um tom intimista e se foca na carreira de Senna como piloto,
dando abertura para momentos íntimos cedidos pela família de Senna e indo além
das vitórias nas pistas, mostrando o lado questionador, humano e de fé do maior
piloto de Fórmula 1 de todos os tempos. A maior revelação vem de sua irmã
Viviane Senna que relembra a última manhã de Ayrton, ao acordar ele pediu para
Deus falar com ele, abriu a Bíblia e leu um texto que dizia: Eu vou te dar o maior presente de todos os
presentes. Que seria Ele mesmo. A tensão naquele domingo era evidente no
rosto de Senna que estava preocupado justamente com a segurança dos pilotos.
Nos treinos livres de sexta-feira Rubens Barrichello bateu forte, no sábado o
piloto austríaco Roland Ratzenberger faleceu após perder a asa dianteira do
Simtek e chocou-se violentamente contra o muro. O ar abatido e introspectivo
notado no brasileiro durante a preparação para o GP de San Marino no circuito
de Ímola, era raro ao piloto que possuía determinação e alegria no olhar. As
imagens editadas para o documentário, principalmente do último GP disputado por
ele, dão um andamento dramático para a obra, ainda que o gênero seja
informativo Asif conseguiu como ninguém manter um padrão no andamento que lhe
rendeu inúmeros prêmios, inclusive o Globo de Ouro.
As rixas com Jean
Marie Balestre, presidente da FIA de 1986 a 1993, e o piloto Alain Prost
possuem destaque no documentário, principalmente o episódio do GP do Japão de
1989, no qual os dois pilotos se chocaram e saíram da pista, Senna persistente
foi ajudado por fiscais e retornou à corrida, foi aos boxes e ainda conseguiu
vencer a corrida, o que lhe daria o título de campeão daquele ano, mas a cúpula
da FIA liderada pelo francês Balestre desclassificou o brasileiro alegando
vantagem ao cruzar a chicane. Em 1992 no circuito da Austrália, último
da temporada, Senna ultrapassaria Prost nas últimas voltas e deixando o francês
em segundo. Dividiram o pódio de forma amistosa, seria a última vez que os dois
pilotos subiriam os degraus da premiação. Prost aposentou-se em 1992. Em 1993
Senna enfrentou problemas nos dois Grandes Prêmios que antecederam a corrida de
Ímola e não terminou as provas.
Um dos
maiores médicos da história da Fórmula 1, professor Sid Watkins, faz a
declaração mais emocionante e surpreendente do documentário. Após o acidente de
Senna na curva Tamburello, Sid e sua equipe foram os primeiros a chegar ao
local, o retiraram do carro, colocaram-no na maca o entubaram e Sid mediu seus
sinais neurológicos, determinando que a lesão seria letal ao cérebro de Senna.
Ele diz que Ayrton suspirou por um instante e seu corpo relaxou e foi naquele
momento... Sid interrompe a declaração para dizer que não é religioso e
completa: mas pensei que seu espírito tinha partido. A profunda trilha sonora
composta por Antonio Pinto nos emerge ao amargo da perda e transformam os
últimos instantes do documentário em momentos de introspecção e saudade. O que poderia
ser feito diante do destino?
Assista ao documentário na íntegra:
Senna tinha 34 anos de idade e ainda é o maior
vencedor do Circuito de Mônaco – seis vitórias, o mais difícil entre todos os
circuitos da Fórmula 1.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Expresse sua opinião: