A vitória de Elefante sobre o favorito Dogville,
de Lars Von Trier, no Festival de
Cannes de 2003 veio como surpresa. Ambos abordam o terrorismo doméstico em
virtude do abuso moral. Baseados nas falhas do “American Way of Life” Elefante
e Dogville tecem críticas ao modo
de vida e política dos norte americanos. Inspirado no Massacre de Columbine,
Gus Van Sant nos mostra um dia comum na Escola Secundária de Portland, exibindo
seus alunos em atividades curriculares e a interação com os colegas, nem sempre
amigável, resultando em bullying e
abuso moral. Sant filmou Elefante
(Elephant) de modo despretensioso, embora a obra seja de incalculável
preciosismo, enquanto o adjetivo que mais se encaixa no perfil de Trier é a
pretensão, seja em Dogville ou em
qualquer trabalho de sua autoria.
A dinâmica das filmagens e a posição
das câmeras nos dão a noção exata do que se passa dentro da escola. O intrincado
labirinto de deslocamentos de personagens pelo qual Sant cunhou seu roteiro faz
com que inúmeros personagens se esbarrem pelos corredores o que aumenta nossa
dimensão de tempo e espaço e adiciona uma carga extra de angústia por
desconhecer o momento exato e o local em que começarão os disparos contra os
próprios alunos. O ambiente criado pelo diretor é tão familiar que nos sentimos
dentro da escola. A despretensão de Sant está em focar suas lentes na rotina
dos alunos de forma simples, é possível que os próprios personagens tenham improvisado
suas falas. Vale ressaltar a técnica quase neorrealista, todos os atores não
são profissionais e os nomes utilizados por eles no filme são todos reais, o
que aumenta a familiaridade entre eles, como se fossem verdadeiros colegas de
escola.
John (John Robinson) dá início ao
filme no que seria mais um dia letivo normal, sai de casa rumo à escola, nos
corredores ele cruza com alguns colegas, um deles é amante de fotografia e está
se dirigindo ao laboratório. Mais tarde iremos acompanha-lo e nesse trajeto ele
cruzará com John e com uma aluna que sofre pela rejeição das colegas que a
chamam de “esquisita”. As idas e vindas dos alunos desenham toda a escola a
partir da participação de John que ao sair cruza com os atiradores entrando,
este é o marco que nos prende à película. Sem tentar explicar os motivos que
levaram os dois alunos a realizar a chacina, mas sim apontando possíveis
organismos causadores do distúrbio, Gus Van Sant desenvolve o filme descrevendo
os diferentes grupos existentes dentro da escola. Em toda sociedade a criação
de grupos acaba segregando alguns elementos. E justamente a segregação gerada é
abrangida como combustível dos atiradores. A dura crítica à política norte
americana vem em decorrência da facilidade com que se adquirem armas no país,
outro fato decisivo para a chacina.
O Massacre de Columbine ocorreu em
1999, ao todo foram 15 vítimas fatais e 25 feridos. Um dos atiradores vestia uma camiseta com a
frase estampada: Natural Selection,
vista por sociólogos como típico exemplo de sociedades fechadas passando por
drásticas mudanças. O Condado de Jefferson, onde ocorreu o ataque, é famosa por
ser conservadora e privilegiar jogadores de futebol americano, basebol e
basquete, a distribuição de renda é bem alta e o índice de violência muito
baixo, o que criou um organismo superior alvo da minoria que se sentia
discriminada, o que é bem visível em Elefante.
Confira o trailer:
Olhando pela ótica filosófica em
contexto com o título do filme, Elefante
fica ainda mais evidente como fator estritamente comportamental e inúmeras
vezes negligenciado pela sociedade. Gus Van Sant se inspirou no filme homônimo
de 1989, dirigido por Alan Clarke que também aborda a violência juvenil. O
título de Elefante de Alan Clarke não
deriva da parábola budista como Sant acreditava, mas sim pelo fato do problema
retratado no filme ser “tão facilmente ignorado como um elefante na sala”. A
parábola conta sobre um grupo de cegos que examinam um elefante, cada um afirma
de modo inequívoco que compreende a natureza do mamífero apenas pela parte que
lhe foi conhecida pelo tato. Ninguém vê ou sente o objeto na totalidade, mas
todos desferem palpites totalizantes – nenhum dos cegos consegue descrever o
animal com coerência. O pior cego não é aquele que não quer ver, mas aquele que
afirma o contrário.
E que o cinema esteja com vocês!
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