Gravidade: do latim gravis “pesado, carregado”, qualidade do que é grave; atração que a
Terra exerce sobre qualquer outro corpo colocado em suas vizinhanças. Gravidade
(Gravity) torna-se mais surpreendente se
analisarmos a etimologia de seu título, um ato grave ocorre sobre o efeito da
gravidade. Para incrementar esse jogo de palavras destaco a cena em que Sandra
Bullock fica em posição fetal, a gravidez, que também deriva do latim gravis, mas não pelo fato de ser algo
“grave”, mas pela própria noção de peso que a situação envolve, vale lembrar
que a palavra gravidez só existe no
português e foi criada em substituição à palavra “prenhez” que caiu em desuso e da qual deriva também a palavra pregnant utilizada no idioma inglês para
referir-se a uma mulher “grávida”. Gravidade
desponta como um dos favoritos ao Oscar 2014, com direção impecável e
perfeccionista de Alfonso Cuarón,
fotografia não menos genial de Emmanuel Lubezki e a atuação esplêndida de Sandra
Bullock fazem jus ao favoritismo de Gravidade
que foi elencado como o melhor filme feito no espaço por James Cameron e está
na lista dos dez melhores do ano de Quentin Tarantino.
Gravidade levou três anos para sair do papel, a
tecnologia disponível na época não era capaz de reproduzir a ambição de Cuarón.
A doutora Ryan Stone (Bullock) e Matt Kowalski (George Clooney) estão no espaço com
a missão de reparar o telescópio Hubble, sob a orientação da “voz de comando”
de Ed Harris, quando são atingidos por uma chuva de destroços de um satélite
russo que fora atingido por um míssil. Eles perdem contato com a Terra e ficam à deriva
no espaço, toda ação dessa primeira parte foi realizada em um único take, o que já vale o ingresso da obra
para a posteridade. A partir desse ponto a trama se desenrola. Sandra Bullock,
mais técnica e impenetrável, mero disfarce para o drama que esconde, perde-se
na chuva de destroços e é resgatada em seguida por Clooney, mais experiente e
crédulo, sereno e seguro, formam o contraponto ideal para o roteiro escrito por
Cuarón e seu filho Jonás
Cuarón.
A obsessão de Cuarón por takes longos obrigou Bullock a decorar uma
série de movimentos e não apenas de seus braços, mas também dos cabos que a
sustentavam para dar a impressão da gravidade do espaço. Para as cenas do
módulo foi utilizado uma caixa de 3 por 4 metros, inicialmente as cenas seriam
realizadas em um jato que simulava gravidade em queda livre. Bullock aceitou o
jato e a caixa, além de ser amarrada por um arreio, ficou presa na caixa escura
por horas. Seu esforço foi lembrado pelo The
New York Times que a elegeu uma das pessoas mais corajosas de Hollywood.
Imagem feita da ISS semelhante a uma cena do filme |
Outro fato marcante em Gravidade é a proximidade com a
realidade, apesar de alguns especialistas afirmarem que tais fatos raramente
aconteceriam naquela sequência e ao mesmo tempo, a licença poética está do lado das artes e
criou uma história que vai além de acidentes espaciais. Marcos Pontes, astronauta
brasileiro, afirmou ser possível que o acidente com os satélites realmente
aconteça, especialistas da ONU já demonstraram preocupação com o lixo espacial
em redor da Terra que poderia ocasionar um apagão das comunicações em todo o
mundo, inclusive causando risco às vidas da Estação Espacial Internacional (ISS
– também citada no filme). Pontes elogiou a visão do espaço e afirmou que os
procedimentos adotados seriam outros. Além da ISS estão presentes no filme a
estação chinesa Tiangong
(Palácio Celestial em
chinês) com um veículo espacial Shenzhou,
no entanto a estação ainda não possui vários módulos como descrito no filme,
mas já existem projetos para isto. A nave espacial Soyuz (União em russo) é considerada muito eficiente e segura, sem
acidentes fatais desde 1971, no qual três cosmonautas russos perderam a vida.
Se fosse real o acidente de Gravidade
seria uma das maiores tragédias do espaço, mas não a maior, as missões Challenger
(STS-51-L) e Columbia (STS-107) de 1986 e 2003
respectivamente tiveram um total de 13 mortes. Anatoly
Solovyev também é
citado no longa em vários momentos pelo tenente Kowalski
que busca bater seu recorde de caminhada no espaço. O cosmonauta russo
participou de 5 viagens ao espaço realizando missões externas 4 que
totalizaram 82 horas e 22 minutos, ficou no espaço por quase 3 anos e meio. Hoje com 65 anos está aposentado e vive na
Cidade das Estrelas, a nordeste de Moscou. Outro fato abordado no filme, que
inclusive justificou a missão da Dra. Ryan Stone e Matt Kowalski, é o reparo no Telescópio Hubble, na
realidade todos os reparos estão suspensos desde 2009, mas não descartados para
o futuro.
Se Gravidade
vem forte para o Oscar de 2014 nas categorias de melhor filme, diretor e atriz
principal, os prêmios técnicos também devem ficar com a obra de Alfonso Cuarón.
A qualidade dos efeitos é tão grande, que um repórter chegou a questionar
Cuarón em uma coletiva de imprensa em relação às dificuldades de se filmar no
espaço. O diretor levou na esportiva, apesar de ficar constrangido, e respondeu
que ficou um pouco tonto.
De Gravidade
derivou-se o curta Aningaaq que
retrata a conversa de Sandra Bullock com o inuíte Aningaaq, vivido por
Orto Ignatiussen, na
Groenlândia do ponto de vista dele. A história foi escrita e dirigida pelo
filho de Cuarón, Jonás, e nos dá uma dimensão diferente dos fatos, inclusive do
que nos é oculto ou incompreendido e dá abertura a questionamentos filosóficos referentes
ao mistério da vastidão espacial e seus desdobramentos, como, por exemplo, as
ondas de rádios que vagam sem destino certo pelo espaço e podem ser captadas em
épocas diferentes por civilizações desconhecidas.
Aningaaq
O maior parâmetro comparativo de ficção
científica é, sem dúvida, Uma Odisseia no
Espaço de Stanley Kubrick, por se tratar da maior obra desse gênero
realizada até hoje, talvez por este motivo as comparações com Gravidade sejam inevitáveis, no entanto,
elevo outra obra de ficção como fonte comparativa: WALL·E. Basta vermos a Dra. Stone se locomovendo pelo espaço com
tubos semelhantes aos usados por EVA e WALL·E em seu balé espacial.
Cordão Umbilical |
As metáforas presentes nas duas obras
também se assemelham. Ambas abordam o renascimento como tema principal. Em WALL·E isso fica mais claro em dois
pontos. O primeiro é visto no modo de vida que os humanos ostentam no espaço, como se
tivessem desaprendido a viver, com a ausência de elementos rotineiros, como a
dança ou um simples aperto de mãos. O segundo é a luta pela sobrevivência de
uma planta que simboliza o próprio renascimento em si. Em Gravidade o simbolismo em prol da vida também está presente. A cena
citada no início do texto com a Dra. Stone em posição fetal dentro de seu
módulo que se assemelha a um útero ou, ainda, o momento em que é puxada por
Kowalski pelo espaço por
meio de um cabo que se assemelha a um cordão umbilical. A impossibilidade de
vida no espaço frisada no início do filme realçam a luta pela vida dos dois
protagonistas.
E quem trocaria a segurança e o silêncio
do espaço pelo caos de nossos dias tumultuados aqui na Terra? Este é um dos
questionamentos que nos tomam pela mão e nos prendem em um macacão de
astronauta sem oxigênio. Muito além de um filme sobre o espaço Gravidade é um grito mudo na vastidão do
infinito, onde estrelas não são poéticas, mas sim o que separa a vida da morte.
Confira o trailer:
E que o cinema esteja com vocês na
Terra ou no espaço!
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