No prólogo da edição brasileira de
Dragão Vermelho Thomas Harris descreve como conheceu o Dr. Hannibal Lecter.
Repórter policial na década de sessenta, ele diz que ninguém inventa uma
história, ela está ali, basta descobrirmos e no outono de 1979 se isola na
cabana de um amigo no delta do Mississipi e começa a escrever a obra que daria
origem ao serial killer mais conhecido do cinema. Ele tentava vislumbrar a
solução daqueles crimes juntamente com Will Graham, algumas vezes no escuro de
sua cabana acompanhado pelos cães selvagens e dóceis que vagavam pela plantação
de milho defronte à cabana. Não tinha certeza de quem havia cometido os crimes,
mas sabia que precisaria de ajuda. Ele conhecia as cicatrizes de Will e por
noites a fio sofreu por ele, por também possuir cicatrizes do passado. Quando a
porta de aço do Hospital Estadual de Chesapeake para Criminosos Insanos se
fechou às suas costas mal sabia o que o aguardava no fim do corredor, mas sabia
que seu destino seria mudado para sempre. Ele conhecera Hannibal Lecter.
Thomas Harris |
Lançado em 1981 nos Estados Unidos
Dragão Vermelho (Red
Dragon) teve sua
primeira adaptação para o cinema em 1986 com o título de Manhunter escrito e dirigido por Michael Mann.
Em 2002 seu remake ficou a cargo de
Brett Ratner, trazendo na
pele do Dr. Lecter o consagrado Anthony Hopkins, vencedor do Oscar de melhor
ator pelo mesmo papel em 1992 pelo filme O
Silêncio dos Inocentes que na cronologia original segue-se após os fatos de
Dragão Vermelho. Para o papel de Will
Graham foi escalado Edward Norton. O filme ainda conta com Ralph Fiennes no
papel do antagonista Francis Dolarhyde
e Harvey Keitel como o chefe da sessão de Ciência e Comportamento de Quantico
Jack Crawford. Philip Seymour Hoffman encarna o repórter Freddy Lounds. A bela e tensa trilha sonora de Danny Elfman nos remete aos
grandes suspenses de Alfred Hitchcock. O roteiro é envolvente e não nos perde
em nenhum momento.
Este ano estreou o seriado Hannibal que aborda os acontecimentos
anteriores à Dragão Vermelho, dentre
os destaques podemos citar a proximidade de Hannibal e Will Graham e também as
análises psiquiátricas realizadas por Hannibal. É interessante notar como o Dr.
Lecter descreve o chefe de Graham, Jack Crawford, ele o têm como manipulador
que busca de todas as formas extrair o que deseja de seus agentes, o que põe
Graham cara-a-cara com o homem que tentaria mata-lo anos depois.
Graham e Hannibal |
Os diálogos entre Hannibal e Graham
são memoráveis, o modo como o Dr. Lecter joga as coisas no ar obriga seus
interlocutores a entrarem em seu jogo, que em muitas ocasiões só oferece vitória
a ele mesmo. Hannibal sempre se refere a Will como seu semelhante, motivo pelo
qual ele o teria capturado. “A imaginação
é o que nos difere dos demais Will”. Essa capacidade de romantizar um ser
atroz e inescrupuloso e descrever
suas idiossincrasias com perfeição é o ponto alto de Thomas Harris, seu romance
seria um livro comum não fosse a presença espirituosa de Hannibal Lecter, esse
fato mudou o destino do escritor, como ele mesmo cita.
Francis Dolarhyde |
O modo como elevou o intelecto de
Hannibal e refinou seus gostos nos dá a impressão de que seus atos frios e
ignóbeis são neutralizados e faz com que nos afeiçoemos a ele. O desenrolar da
história nos põe como testemunhas do dilema vivido por Will e também nos mantem
em xeque, afinal, somos todos parecidos? Possuímos um instinto predatório
natural a todos os seres vivos que é aguçado por circunstâncias ou sentimentos
específicos, ele se manifesta de forma prazerosa para o Dr. Lecter, ou
representa o medo no caso do ex-agente do FBI Will Graham.
A maior qualidade de Hannibal talvez
seja o auto controle, seguindo a máxima de Sócrates “Conhece-te a ti mesmo” ele nos dá uma aula de comportamento. Mas
quando seu ímpeto fala mais alto e age de forma instintiva o que o salva é sua
inteligência, o que não demérita o controle de si próprio, até seus atos
repentinos são premeditados, como se ele soubesse exatamente o que dizer para
provocar uma situação favorável a seus banhos de sangue.
A prisão não parece tê-lo afetado, ele
não vê problemas em expor sua verdadeira natureza à sociedade. Provavelmente
conversava com suas vítimas antes de mata-las, ele próprio já havia se
desmascarado, motivo este que o deixa à vontade diante da ruptura de seu lado
negro. Mas de certa forma essa exposição forçada quebra seu ritual e profana o
seu sagrado, o que o deixa irado e sustenta ainda mais o seu desejo de
vingança, ainda que subconscientemente, fato que se faz visível quando ele
envia ao Fada do Dente o endereço de Will Graham e pede a ele que mate todos. Com Starling
seu sentimento é de confiança recíproca, no fundo ele sente algo bom por ela e
se renova por poder exibir seu intelecto.
Encerro o texto como termina o filme
com a leitura da carta que Lecter enviou à Graham: “Nossas cicatrizes tem o poder de nos lembrar que o passado foi real [...]
Vivemos em uma sociedade primitiva, nem selvagem nem sábia. Qualquer sociedade
racional ou me mataria ou faria algo de útil comigo.”
Confira o trailer:
E que o cinema esteja com vocês!
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